#210 o que não disse de David Bowie


Recebi a notícia com uma lágrima, mas com um ainda maior sorriso. David Bowie partia e deixava um álbum novo, onde até um tema, teledisco e a própria letra há: sobre a sua morte. Fabuloso! Desfolhei a imprensa e descobre-se que Bowie estava doente há muito tempo. Não se sabia, tal como dos avc’s que tinha dito. 
 
Brilhante Bowie! Brilhante! Tudo preparado ao detalhe.
 
Um ser andrógino. Com tendência para o excesso. Excêntrico. Criativo. Visionário. Mal compreendido muitas das vezes. 
 
Naturalmente que assim, era difícil não gostar eu de David Bowie.
 
Mais por vezes do que da própria música, confesso, a minha ligação estava naturalmente criada ao personagem. Mas também ao David Bowie ortónimo, se me é permitida esta analogia com a escrita, escritor que também ele era, É e será. 


Fosse “esse” qual fosse, camaleão que era, o “re-inventor”.
 
Simpatizo com Bowie, como com Pessoa. 
 
O segundo leio-o, o primeiro ouço-o. A ambos degusto a linguagem, o arrojo, a coragem. Ambos representam a heterogeneidade do ser humano. A sua pluridimensionalidade, em épocas diferentes, visitando artes diferentes.
 
Desnudaram algumas das camadas que todos temos, exibamo-las ou não. Os nossos lados mais secretos. Os nossos alter-egos, os múltiplos papéis que representamos. 
 
Assumir a diferença é difícil. Bem o sei, excêntrico que sou considerado em tanta coisa e escondido que permaneço, em tantas outras.
 
É que ter uma visão diferente da maioria, isolada por vezes até, dificulta a convivência neste mundo habituado a fabricar cópias, qual máquina reprodutora de medíocres, castradora da genialidade que reside em todos e em cada um.
 
De facto por vezes, é mais fácil estar calado. Sorrir apenas e acenar com a cabeça.
 
Ficamos todos mais “felizes” e saio com maior facilidade da eventual cena série B, no ambiente nocivo em que me vejo, nessas alturas.
 
É difícil fugir à contaminação. É difícil manter a coragem de sabermos quem somos, mesmo quando necessariamente nos transvestimos de nós mesmos.
 
Mas o espelho da alma não mente. Olho, observo-me com calma e reconheço-me.  
 
Enquanto assim for: há esperança.